IRPEN

NOTÍCIAS


STJ: Recurso especial – Direito Civil – Companheira sobrevivente – Direito à meação do bem

2015-10-22 16:27:28 - Fonte: STJ

 STJ: Recurso Especial – Direito Civil – Companheira sobrevivente – Direito à meação do bem – Imóvel não adquirido na constância da união estável – Impossibilidade.
 
Corregedoria Geral da Justiça
 
Proc. nº 2015/00018384
 
(124/2015-E)
 
REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS – RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA PERANTE A SERVENTIA EXTRAJUDICIAL – POSSIBILIDADE – RECURSO NÃO PROVIDO.
 
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
 
Trata-se de recurso interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra a decisão da MM Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do Subdistrito da Capital, que deferiu o registro da criança ____________ por ___________ , companheira da mãe biológica desde 2005 e casada com ela desde julho de 2014, um mês antes do nascimento de ____________ (fls. 45/47).
 
Alega o recorrente, em suma, que não há vínculo biológico entre ______________; que o vínculo de afetividade deve ser reconhecido pela Vara de Família; que a decisão deu interpretação errada ao art. 1.597 do Código Civil; que a decisão administrativa não faz coisa julgada e não garante segurança à criança (fls. 49/52).
 
A Douta Procuradoria de Justiça opina pelo não provimento do recurso, devendo ser mantida a sentença (fls. 60/64).
 
E o relatório.
 
OPINO.
 
Extrai-se dos autos que ____ e ____ constituíram família em 2005. companheiras que passaram a ser desde tal época, conforme declarado em escritura de união estável lavrada em janeiro de 2012 (fls. 27/28).
 
Na condição de companheiras, vivendo em união estável, tomaram parte em procedimento de fertilização in vitro com doador anónimo de sémen, para concepção de uma criança a qual viria a completar a estrutura familiar. O embrião foi gestado por Alvina, de quem também haviam sido extraídos os óvulos.
 
Dos documentos médicos de fls. 18. 24 e 28, verifica-se que, realmente. ____ e ____ , juntas, procuraram a clínica de reprodução para a realização do procedimento, como companheiras.
 
Recentemente, Vossa Excelência aprovou parecer paradigmático elaborado pelo MM Juiz Assessor Dr. Gustavo Henrique Bretãs Marzagão, em caso análogo, deferindo o registro. Transcrevemos a seguir o parecer, em razão da inegável similitude, inclusive no que concerne aos argumentos do recorrente:
 
“Trata-se de recurso interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra a r. decisão do MM. Juízo Corregedor Permanente (fls. 55/58 e 71/72) que autorizou a inclusão do nome de como genitora socioafetiva de, e os nomes dos pais dela como avós.
 
Alega, em síntese, que a competência para o reconhecimento é da Vara de Família em razão da ausência de determinação de vínculo biológico entre a criança e ____ e que a decisão não interpretou corretamente o art. 1597, do Código Civil. Ainda, que o princípio constitucional da isonomia foi violado. Afirma, também, inexistir erro de registro. Aduz que a decisão administrativa não faz coisa julgada e que não garante segurança jurídica à criança em virtude de eventual questionamento futuro.
Contrarrazões às fls. 75/90.
 
A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso Ministerial (fls. 96/99), mantendo-se a r. decisão recorrida.
 
E o relatório.
 
Opino.
 
____ e ____ formularam requerimento ao Oficial de Registro Civil do 24° Subdistrito da Capital objetivando a inclusão, no assento de ____, do nome de ____ como mãe de ____ e dos pais dela, como avós. Solicitaram, ainda, que o nome do ____ passasse a constar.
 
Consta do requerimento de ____ e ____ que vivem em união estável desde 2006 e se submeteram conjuntamente à fertilização in vitro com doador anónimo em 2013. Houve estimulação dos ovários, colheita e fertilização dos óvulos de ambas com sémen de doador anónimo e, por fim, seleção e transferência dos melhores embriões para o útero de ____ que a escolhida para ser a gestante. O nascimento de ocorreu em 08.11.13 e, em seu assento de nascimento, constou apenas o nome de sua mãe biológica ____ motivo pelo qual
 
buscam a inclusão, na qualidade também de mãe, de ____ dos pais dela como avós, e a alteração do nome de ____ acrescendo-lhe o sobrenome ____.
 
O requerimento foi instruído com:
 
a) declaração de nascido vivo que atesta que ____ filho de ____ nasceu no dia 08.11.2013, no ____
 
b) certidão de nascimento de ____ com número de matrícula ____ em que consta o nome de ____ como genitora (fl. 09);
 
c) escritura pública de união estável lavrada em 04.04.2012, nas notas do 29″ Tabelionato da Capital, por meio da qual declaram viver em união estável, como companheiras, desde 15.05.2006, estabelecem a comunicabilidade de todos os bens adquiridos onerosamente após a constituição da entidade familiar, e que, em caso de enfermidade, a companheira sã pode deliberar, prioritariamente aos demais familiares, sobre as providências médico-hospitalares oportunas, fixam-se como beneficiárias para fins previdenciários (fls. 10/12);
 
d) Relatório final de tratamento por FIV, subscrito por médico que declara que ____ em regime de união estável, foram por ele submetidas a tratamento de fertilização in vitro com sémen de doador e transferência de embriões no dia 03.03.2013 no Projeto Alfa-Aliança de Laboratórios de Fertilização Assistida, e que referido tratamento ensejou a gestação única de ____ da qual resultou o nascimento de RN vivo, masculino (fl. 13);
 
e) fotos do nascimento no hospital e do chá de bebé (fls. 14/17);
 
f) Relatório médico complementar ratificando que houve fertilização in vitro dos oócitos de ____ e transferência de embriões ao útero desta última independentemente da origem dos oócitos, tudo com autorização de ____ (fls. 42/43);
 
g) Relatório médico atestando que Adriana esteve presente em todas as consultas acompanhando ____ participando ativamente tanto no período de fertilização quanto de todo o período pré-natal. Informa, ainda, que ____ recebeu medicações para produzir leite materno e, desta forma, foi capaz de amamentar o recém-nascido desde os primeiros dias (fl. 44);
 
h) Declaração da médica responsável pela puericultura dando conta de que ____ sempre está acompanhado das mães ____ , as quais participam ativamente do desenvolvimento do menor, que vem evoluindo de forma bastante saudável, com desenvolvimento adequado sendo nítido que reconhece igualmente a voz e os chamados das duas mães quando interagem com ele, reagindo com atenção, fixação do olhar e sorriso social desde 1 mês e meio, reações comuns apenas na relação muito próxima com o familiar, demonstrando convívio diário (fl. 45).
 
É incontroverso nos autos que a inclusão do nome de ____ como genitora, e dos pais dela, como avós, no assento de nascimento de ____ é medida justa e necessária.
 
O que se discute é se o reconhecimento voluntário da filiação socioafetiva pode ser realizado perante os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais ou se necessita de ação judicial.
 
A D. Procuradoria Geral da Justiça, forte nos fundamentos da r. decisão recorrida, é favorável ao reconhecimento nesta via administrativa.
 
A r. decisão recorrida, por seu turno, traz os seguintes argumentos: a) demonstração da relação familiar; b) presunção de paternidade no caso de inseminação artificial heteróloga precedida de autorização do marido (CC 1.597, V); c) a expressão “marido”, contida no art. 1.597, V, do Código Civil, não deve servir de óbice ao reconhecimento socioafetivo porque a união estável é reconhecida pela Constituição Federal como entidade familiar e a ADI n° 4277 reconheceu a união estável homoafetiva nos mesmos moldes da heterossexual.
 
De fato, após o julgamento da ADI 427 7-DF pelo E. Supremo Tribunal Federal, todos os dispositivos legais, notadamente os do Código Civil, que, de alguma forma, permitam ou induzam tratamento diverso entre os casamentos e uniões estáveis heterossexuais e homoafetivos devem passar por uma releitura para atender às suas novas finalidades.
 
Assim, de acordo com a lógica construída na r. decisão e acatada pelo D. Procuradoria Geral de Justiça, se a presunção da paternidade contida no art. 1.597, V, do Código Civil, vale também entre companheiros, e se aos casamentos e uniões estáveis de pessoas do mesmo sexo são garantidos os mesmos direitos, não se pode recusar à mãe socioafetiva o direito de reconhecer como seu o filho havido nestas circunstâncias.
 
Do contrário, criar-se-ia a seguinte situação injustificada de desigualdade: os cônjuges ou companheiros de sexos diferentes (relacionamento heterossexual) teriam acesso à via mais rápida do reconhecimento direto perante o registrador, ao passo que os companheiros ou cônjuges de mesmo sexo (relacionamento homoafetivo) teriam de trilhar a morosa e dispendiosa via judicial.
 
Mas não é só.
 
Milton Paulo de Carvalho lembra que a opção do legislador pela filiação socioafetiva se manifesta nos arts. 1.593, 1.596, 1.597, V, 1.605 e 1.614, todos do Código Civil:
 
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.
 
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
 
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
 
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
 
Art. 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito:
 
I – quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente;
 
II – quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.
 
Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.
 
E, ao comentar o art. 1.596, explica que a legislação estabelece quatro tipos de estado de filiação: por consanguinidade, por adoção, por inseminação artificial e em virtude de posse de estado de filiação.
 
Na jurisprudência, é tranquilo o reconhecimento da socioafetividade como um dos modos de filiação.
 
Nos autos do Recurso Especial n° 1000356/SP, a Ministra Nancy Andrighi destacou que a filiação socioafetiva tem alicerce no art. 227, § 6° da Constituição Federal, e envolve não apenas a adoção, como também parentescos de outra origem, conforme introduzido pelo art. 1.593, do Código Civil, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural.
 
A jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça caminha no mesmo sentido, podendo-se citar, por exemplo, trecho do voto proferido nos autos da apelação n° 01637-05.2010.8.26.0510, relatada pelo Desembargador Francisco Eduardo Loureiro:
 
O artigo 1.593 do novo Código Civil, afinado com o espírito da Constituição Federal, dispõe que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem” (grifo noso). O termo outra origem, usado pelo legislador, admite como fontes do parentesco os casos de reprodução artificial e as relações socioafetivas, sem vínculo biológico ou de adoção. Na lição de Edson Luiz Fachin, a verdadeira filiação só pode vingar no terreno da afetividade, da intensidade das relações que unem pais e filhos, independente da origem biológico-genética (Comentários ao Novo Código Civil, Forense, V. XVI, p. 25; ver, também, Eduardo Oliveira Leite, Temas de Direito de Família, RT, 1.94, p. 121, entre outros).
 
Como se vê, o Código Civil prevê diversas causas de parentesco: civil, consanguíneo e com “outras origens “, aí incluídas a socioafetiva e a procriação por reprodução artificial.
 
O parentesco civil se constitui por meio de adoção e, para esta hipótese de filiação, a via judicial é indispensável, nos termos exigidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
 
Diversas, porém, são as hipóteses de reconhecimento de filho biológico e por socioafetividade.
 
Em relação aos filhos biológicos, para os havidos durante a constância do casamento, a lei presume afiliação (CC 1.597); quanto aos concebidos fora dele, basta a declaração do pai perante o registrador para que seja averbada a paternidade no assento de nascimento (art. 1º, 1, da Lei n° 8.560/92).
 
No caso do filho havido fora do casamento, é importante destacar que não se exige qualquer prova específica daquele que se apresenta como pai, sendo suficiente a afirmação desta qualidade perante o registrador – ou mesmo perante o juiz (o art. 2o, § 3°, da Lei n° 8.560/92).
 
Quanto à filiação por socioafetividade que, repita-se, não se confunde com a adoção, a via judicial também é prescindível porque a Lei n° 8.560/92 cuida do reconhecimento de filhos havidos fora do casamento, sem discriminar o tipo de filiação: biológica ou socioafetiva.
 
Assim, impedir o reconhecimento da filiação socioafetiva na via administrativa implicaria inegável afronta à vedação da discriminação da filiação em virtude da natureza prevista no § 6o, do art. 227, segundo o qual:
 
Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação
 
Deste modo, se o filho biológico pode ser reconhecido voluntariamente pelo pai mediante simples declaração – desacompanhada de qualquer prova – feita perante o oficial de registro civil, o mesmo direito, nas mesmas condições, deve ser concedido ao filho socioafetivo.
 
A desnecessidade da via judicial se evidencia ainda mais no caso em exame porque o filho permanecerá na família de origem e apenas terá o nome de sua mãe socioafetiva, que assim se declarou voluntária e espontaneamente, inserido em seu registro.
 


2015-10-22 16:27:28 Fonte:STJ


LOGIN

Área Restrita para Associados
08/05/2024 23:35                

CONSULTA PÚBLICA

CPFs

Rua Mal. Deodoro, 51 - Galeria Ritz - 18º Andar | Fone: (41) 3232-9811 | CEP 80.020-905 - Curitiba - Paraná