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JURISPRUDÊNCIAS


Jurisprudência TJ-RS

2011-04-13 10:12:33 - Fonte:

Apelação cível - Anulatória de registro civil cumulada com exoneração de alimentos

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. ANULATÓRIA DE REGISTRO CIVIL CUMULADA COM EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. É passível de anulação o registro civil de nascimento de menor quando efetuado mediante declaração exclusiva da mãe, que aponta paternidade do ex-cônjuge, de quem estava separado há mais de três anos. Verificado o erro do registro, mais o exame de DNA que exclui a possibilidade da paternidade e, ainda, indemonstrada a relação de socioafetividade, merece provimento a ação que pede a anulação do assento de nascimento. Desfeito o registro de nascimento, e afastada a paternidade socioafetiva, não subsiste a obrigação alimentar. RECURSO PROVIDO. (TJRS – Apelação Cível nº 70035257005 – Santa Bárbara do Sul – 8ª Câm. Cível – Rel. Des. Claudir Fidélis Faccenda – DJ 18.06.2010)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, dar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. RUI PORTANOVA (PRESIDENTE) E DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ.

Porto Alegre, 10 de junho de 2010.

DES. CLAUDIR FIDÉLIS FACCENDA – Relator.

RELATÓRIO

DES. CLAUDIR FIDÉLIS FACCENDA (RELATOR)

ROMILDO SILVEIRA DA CUNHA ajuizou ação de anulação de registro civil de nascimento, cumulada com exoneração de alimentos, em face de I. C. C., representada por sua genitora, ALZIRA CASTRO DOS SANTOS.

Relata, na inicial, que casou com Alzira em 1986, tendo se separado em 1991. Durante a relação nasceu o filho comum, A.C.C., hoje com 24 anos, fl. 13.
Três anos depois da separação, em 19.05.1994, nasceu I. C. C., época em que o autor residia em outra cidade, Campinas, Saldanha Marinho.

A ex-esposa Alzira registrou a menina no nome do demandante e, após, através da ação de alimentos autuada sob n. 466, o autor foi condenado a pagar pensão.

Sustenta não ser pai de I., até porque não mantinha qualquer relação com Alzira na época da concepção; pede a anulação do registro, que foi efetuado com vício, e exoneração da pensão alimentícia. Afirma, também, que não tem qualquer vínculo afetivo com a menor, situação que não justifica a manutenção do registro equivocado.

A demandada contestou, fls. 20 e seguintes, sustentando a improcedência da ação. Diz que o registro da criança foi feito pelos dois, autor e mãe da demandada; que existe sim relação de socioafetividade e, por isso, deve ser improcedente o pleito.

Determinado o exame de DNA, fls. 49 a 51, a conclusão foi pela exclusão da paternidade.

Inquiridas as testemunhas, a magistrada decidiu pela improcedência dos pedidos, sob fundamento de inexistência de vício do registro e presença de relação sócio-afetiva entre pai registral e a filha registral.

Recorreu o autor, reiterando sua tese da inicial e dos memoriais.

Com as contrarrazões, pela confirmação da sentença, o Ministério Público opinou pelo improvimento do recurso, fls. 156 e seguintes.

É o relatório.

VOTOS

DES. CLAUDIR FIDÉLIS FACCENDA (RELATOR)

O recurso merece provimento.

A sentença das fls. 122 a 127, muito bem fundamentada, decidiu pela manutenção do registro de nascimento da menor I. C. C., em face da relação de socioafetividade entre pai registral e filha e, também, em face da ausência de provas de eventual vício no registro de nascimento da menina.

A tarefa do julgador, em processos desta natureza, é árdua, uma vez que determina alterações substanciais na vida das partes envolvidas. Para bem julgar, o magistrado precisa analisar as circunstâncias e interesses que envolveram a relação paternal e, em consequencia, a relação de filiação.

No caso, com a vênia do entendimento da magistrada sentenciante, e também do agente ministerial que produziu o parecer das fls. 156 e seguintes, vejo fatos e circunstâncias peculiares, circunstâncias essas que recomendam o julgamento de procedência dos pedidos encartados na peça vestibular.

Destaco os seguintes pontos:

1. As partes envolvidas são pessoas humildes, sem muitos recursos financeiros e intelectuais. Romildo é operador de máquinas, fl. 02, e Alzira auxiliar de lavanderia, fl. 78.

2. O casal separou-se em 1991 e o nascimento de I. foi em 1994, portanto, induvidoso que, quando da concepção e do nascimento, Romildo e Alzira, além de separados, residiam em cidades diversas.

Romildo, depois da separação, passou a conviver com outra pessoa (depoimento pessoal de Alzira, fl. 80).

3. O registro de nascimento, fl. 15, foi feito por Alzira, sem a presença de Romildo. A apelada não conseguiu provar, nos autos, a alegação da contestação de que Romildo a acompanhou no registro da menina.

4. Não foi impugnado, também, que Romildo vem pagando pensão em favor da menina por determinação judicial e não voluntariamente, fl. 03.

5. Fraca, muito fraca, a prova testemunhal no sentido de comprovar a relação de afeto entre Romildo e I. A prova, destacada no recurso, é indicativa da distância entre “pai e filha”, distância no sentido literal (residência em cidades diversas) e distância de relacionamento. Segundo as testemunhas, fls. 82 e seguintes, o autor e a filha sempre tiveram encontros esporádicos durante a vida, tanto que a própria Alzira, mãe da apelada, na fl. 80, confessa que Romildo vê a menor umas duas vezes por ano. A maioria das testemunhas sabem, ou ouviram falar, que o autor não é o pai da menor.

6. O filho comum de Romildo e Alzira, Albeneir, irmão de I. por parte de mãe, é o único elo de ligação entre Romildo e I., filha registral. Albeneir reside com o pai, fl. 80.

7. A possibilidade de paternidade biológica foi totalmente excluída, fl. 50.
Diante desse quadro, parece insustentável a manutenção do registro que, a meu sentir, é, sim, fruto de vício. Romildo não participou do registro e, por isso, não poderia ter constado como pai. O registro foi feito em desacordo com o art. 59, da lei dos registros públicos, conforme bem destacou a magistrada na sentença, fl. 126-verso.

É fato que Romildo poderia ter ajuizado a ação negatória há mais tempo. Compreende-se, todavia, a sua conduta, seja em razão da dúvida da paternidade afirmada pela mulher, seja em razão do próprio envolvimento com o filho comum e a carência de recursos para a criação da irmã de Albeneir.

O autor e recorrente, pela prova, jamais assumiu voluntariamente o papel de pai, situação que afasta eventual relacionamento socioafetivo. O contato com a filha registral sempre se deu mais em função do filho comum das partes, Albeneir.

Com efeito, não vejo razão maior de ser mantido o registro. Seu cancelamento, embora tardio, concretizará a situação fática, até porque a menor I, hoje com 16 anos, há muito tempo sabe que o apelante não é seu pai biológico.

O cancelamento do registro permitirá, inclusive, que I. busque o reconhecimento da sua verdadeira origem biológica.

A posse de estado de filiação se verifica quando alguém assume o papel de filho em face daquele que assume o papel de pai, independentemente de vínculo biológico. A posse do estado de filho é a exteriorização da convivência familiar e da afetividade entre as partes, havendo demonstração perante a sociedade da relação pai/filho.

Segundo LUIZ EDSON FACHIN, “as qualidades que se exigem estejam presentes na posse de estado são: publicidade, continuidade e ausência de equívoco. A notoriedade se mostra na objetiva visibilidade da posse de estado no ambiente social; esse fato deve ser contínuo, e essa continuidade, que nem sempre exige atualidade, deve apresentar uma certa duração que revele estabilidade”.(1)
É de se registrar que a paternidade socioafetiva não se presume em virtude do registro. A alegação deve estar acompanhada de elementos comprobatórios, situação que não se verifica nos autos.

Entendo, assim, não haver motivo para a manutenção do registro pelo registro, até porque, salvo exceções especialíssimas, o sistema registral brasileiro exige verdade real.

Nessa diretriz, colaciono julgados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
“AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – EXAME DE DNA – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO – REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO – RETIFICAÇÃO.

Ação negatória de paternidade. prova irrefutável da veracidade da negativa da paternidade. Cancelamento de registro de nascimento. O sistema de registro público adotado no Brasil é regido pelo princípio da veracidade, pelo que todos os assentos efetivados nos cartórios do registro civil das pessoas naturais devem ser fiéis à realidade fática. No caso dos registros de nascimento, os assentos devem retratar a realidade biológica. Prova inquestionável da falsidade do registro de nascimento da menor. Sentença fiel à realidade dos fatos. Desconstituição do registro de paternidade. Solução jurídica sustentada por diversos precedentes desta Corte de Justiça. Improvimento do recurso. (Apelação Cível n.º 2005.001.17670, 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Rel. Des. Edson Vasconcelos, julgado em 08/09/2005).”

“AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – AÇÃO DE NULIDADE DE REGISTRO DE FILHO – EXAME DE DNA NEGATIVO – INSCRIÇÃO NO REGISTRO CIVIL – IRRELEVÂNCIA.

Ação negatória de paternidade. Exclusão da paternidade. Exame de DNA.

Irrelevância do reconhecimento da paternidade. Excluído a paternidade, por via do exame de DNA, não tem qualquer relevo o fato de ter o suposto pai registrado como seu filho o autor. Impõe-se a concessão de gratuidade de justiça ao réu, em face da afirmação de pobreza feita nos autos. decisão parcialmente reformada. (Apelação Cível n.º 2005.001.33357, 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Des. Rel. Jair Pontes de Almeida, julgado em 24/08/2004).”

A jurisprudência do nosso Tribunal também tem enfrentado a questão:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO DE NASCIMENTO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA NÃO DEMONSTRADA. A paternidade socioafetiva não decorre unicamente do mero registro de nascimento, devendo ficar demonstrada nos autos para afastar a pretensão anulatória de paternidade, onde o erro no registro ficou provado. Precedentes. Sentença de procedência da ação anulatória confirmada.

Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70010149383, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 16/12/2004).”

Nas situações envolvendo paternidade registral, não biológica, cabe ao julgador analisar o caso concreto, verificando as circunstâncias que envolveram o registro, bem como se existiu, ou não, a relação de afetividade contínua, duradoura, exteriorizada entre as partes, relação essa com efetividade e apta à caracterização do estado de paternidade para o pai e posse do estado de filho para a criança.

Diante do exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO ao recurso para julgar procedente a ação e determinar o cancelamento do registro, nos termos do pedido, e exonerar o apelante da pensão alimentícia.
A sucumbência fica invertida.
 


2011-04-13 10:12:33- Fonte:

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