02/02/2021 14:37 - Fonte: Assessoria de Comunicação - IRPEN
Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Carla de Moraes, fala sobre direitos civis dos deficientes e as novidades da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
Trabalhando em prol dos direitos das pessoas com deficiência há 30 anos, Carla Regina Wingert de Moraes é a atual presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COEDE/PR), coordenadora estadual de envelhecimento da Federação das APAEs do Estado do Paraná (Feapaes/PR), e representante da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) da cidade de Palmas-PR.
O COEDE do Paraná, criado em 2009, é vinculado à Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho e constitui-se como órgão consultivo, deliberativo, fiscalizador e articulador das políticas públicas voltadas a assegurar os direitos das pessoas com deficiência.
Advogada e professora, Carla de Moraes é formada em Educação Física e se especializou em Educação Especial a partir de 1990. É mestre em Educação, com o foco em Psicomotricidade Aplicada a Alunos Portadores de Deficiência Mental Moderada. Sua dedicação em defesa dos deficientes resultou no Título de Cidadã Honorária do Município de Palmas, concedido em 2019.
Em entrevista exclusiva com o Instituto de Registro Civil das Pessoais Naturais do Estado do Paraná (IRPEN), a presidente do órgão falou sobre os direitos civis das pessoas deficientes, as mudanças e novidades da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), que passaram a garantir a possibilidade de a pessoa com deficiência intelectual ter o direito de se casar nos Cartórios de Registro Civil.
Leia abaixo a entrevista na íntegra:
IRPEN – Quais são os principais objetivos do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência?
Carla Regina Wingert de Moraes – De acordo com o artigo 2 º do Regimento Interno o COEDE/PR tem por finalidade possibilitar a participação popular nas discussões, proposições, elaborações e auxílio na implementação e fiscalização das políticas públicas voltadas a assegurar o pleno exercício dos direitos das pessoas com deficiência, em todas as esferas da administração pública do Estado do Paraná, a fim de garantir a promoção e proteção das pessoas com deficiência, assim como exercer a orientação normativa e consultiva sobre os direitos das pessoas com deficiência no Estado do Paraná.
IRPEN – Quais foram as iniciativas e projetos de maior impacto no Paraná desde a criação do órgão?
Carla Regina Wingert de Moraes – Entendo que atuar com instancia fiscalizadora e articuladora das políticas públicas voltadas às pessoas com deficiência no Estado do Paraná seja o grande papel do Colegiado, a seguir deixo o link do COEDE PR o que possibilitará acompanhar as inúmeras ações, suas iniciativas e projetos, desde sua criação: http://www.coede.pr.gov.br/
IRPEN – No mesmo ano em que foi estabelecido o Estatuto da Pessoa com Deficiência do Estado do Paraná, foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13146/2015). Quais foram as principais novidades que podem ser destacadas no Estatuto e na LBI?
Carla Regina Wingert de Moraes – A referida lei apresenta várias normatizações que representam considerável avanço para a proteção da dignidade da pessoa com deficiência, e passa a entrar em consonância com o disposto na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – tratado internacional de Direitos Humanos recepcionado por nossa Constituição – trazendo grandes mudanças estruturais e funcionais na legislação infraconstitucional, tendo modificado o Código Eleitoral, a Consolidação das Leis do Trabalho o Estatuto da Cidade, dentre outros diplomas vigentes e, em especial, o Código Civil.
Destaco que a pessoa com deficiência é um cidadão e tem o direito de gozar de todos os direitos civis, sendo-lhes garantido o tratamento igual ao dispensado a qualquer outro cidadão. É o que garante o artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, que impõe tratamento igual a todos.
IRPEN – O que a LBI prevê em relação aos direitos civis das pessoas com deficiências?
Carla Regina Wingert de Moraes – Ainda de acordo com o previsto no artigo 6 º da Lei 13.146/2015, Brasil (2015): “a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa”. E o artigo 84 do mesmo diploma complementa: “a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”. A LBI apresenta a condição de que a pessoa com deficiência tenha sua capacidade jurídica reconhecida, e que, caso necessário curador, o mesmo tenha o papel não de quem represente o interditado e tome as decisões por ele, mas sim que lhe preste assistência e em conjunto assuma os direitos e deveres, respeitando sempre a pessoa com deficiência, possibilitando a ele a tomada de decisão assistida ou apoiada.
É factível que a pessoa com deficiência intelectual não tenha plena capacidade para gerir seus bens, seu patrimônio, por inexistência ou perda de seu discernimento, no entanto, é cabível que o mesmo tenha condições para expressar a sua vontade a respeito das questões e que a ela seja facultado a possibilidade de ser respeitada e apoiada.
Ressalta-se que repensar a questão da capacidade civil, concedendo mais autonomia às pessoas com deficiência, é um significativo avanço na concepção de uma “sociedade livre, justa e solidária”, na qual a diversidade é recebida como elemento que merece respeito e não como infortúnio a ser desfeito.
IRPEN – Como avalia as novidades na LBI que dão mais autonomia aos deficientes para exercerem o Direito Civil?
Carla Regina Wingert de Moraes – Acredito que esta seja uma das grandes novidades: entender, enxergar e respeitar a pessoa com deficiência como protagonista de sua história. Sabe-se que não basta uma mudança no paradigma normativo para solucionar determinada questão social, também existe a necessidade da modificação de pensamento da sociedade. Vivemos em uma época em que o processo é de mão dupla, a sociedade se organiza para eliminar as barreiras, tanto físicas quanto atitudinais, a fim de que a pessoa com deficiência tenha efetivamente os mesmos direitos das demais. Não vivemos mais uma época que basta aceitarmos as pessoas com deficiência, precisamos perceber que a sociedade é diversa e que a todos, sem exceção, devem ser estendidos as garantias e direitos. Aceitar e respeitar a pessoa com deficiência é, sobretudo, compreender que ela é um sujeito de vontades e direitos, como qualquer outra pessoa. É livrar-se de preconceitos e tabus; é perceber a diversidade da sociedade atual e entender as transformações sociais, tendo em vista que está superada a visão da incapacidade, pois todos possuem direito à plena participação social.
IRPEN – Uma das alterações mais importantes diz respeito à possibilidade de a pessoa com deficiência intelectual ter o direito de se casar no civil ou constituir união estável sem autorização judicial. Qual sua opinião sobre isso?
Carla Regina Wingert de Moraes – Preciso destacar, antes de expor meu posicionamento, estou conselheira no COEDE em segundo mandato, e este assunto não fez parte de pauta de discussão do Colegiado, então, expresso uma opinião que é pessoal, de profissional que atua na área há mais de 30 anos: minha opinião é favorável. Além de refletir respeito jurídico, merece destaque que é o resgate da autonomia e dignidade humana que as pessoas com deficiência, em especial as com deficiência intelectual, passam a receber pela legislação atual. Observava-se na prática que há tempos os mesmos já participavam do mundo do trabalho, constituíam família, enfim, vinham sendo incluídos no contexto social, mas a legislação interna estava em descompasso com o tratado internacional e sobretudo com o que costumeiramente já vinha acontecendo em nosso País.
IRPEN – Qual a importância da igualdade dos direitos civis para as pessoas deficientes quando falamos de casamento e constituição familiar?
Carla Regina Wingert de Moraes – A possibilidade do direito a um agrupamento familiar, deve ser entendido como direito fundamental, que deve ser percebido como condição inerente ao ser humano, e é resultado do princípio da igualdade, da autonomia, da pluralidade familiar e do afeto.
IRPEN – Como avalia os avanços dos cartórios na garantia de assegurar os direitos dos deficientes?
Carla Regina Wingert de Moraes – Prefiro não emitir uma avaliação, até porque desconheço. Mas posso considerar que os avanços estão acontecendo, mas que vão além de cumprimento de legislação, passam pelo conhecimento e entendimento de quem é a pessoa com deficiência. Se fizermos uma comparação aos nossos atos e atitudes do passado, avançamos, mas se conversarmos com as pessoas com deficiência e por vezes nos colocarmos no lugar dos mesmos, poderemos perceber que as expectativas de diminuição de barreiras, que passam por barreiras arquitetônicas e atitudinais, (e na maioria das vezes infelizmente atitudinais), ainda são enormes. Precisamos avançar!
IRPEN - Quais são as maiores dificuldades na aplicabilidade da LBI?
Carla Regina Wingert de Moraes – Às vezes penso: temos Legislação para tudo. Segmentamos bastante. Bastaria quem sabe entender que o artigo 1º da Declaração Universal da ONU, de 1948 preceituam que: “ todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns com os outros em espírito e fraternidade. Quem sabe seja Utopia! Quem sabe seja Utopia? O desconhecimento da legislação, e o entendimento de que a deficiência não é um problema do indivíduo, mas da sociedade, ou seja, a condição não é mais tratada como sendo somente da pessoa, mas resulta da interação do indivíduo com o meio ambiente no qual ele vive.
Fonte: Assessoria de Comunicação do Irpen